(artigo jurídico) As causas da violência.

AS CAUSAS DA VIOLÊNCIA ASSOCIADA AO DESPORTO.

 

         Muitas são as teorias que buscam explicar a violência em geral e, especialmente, a violência associada ao deporto. Teorias monocausais, multicausais, advindas de estudos da psicologia ou da sociologia. É buscando a causa que se procura uma melhor solução para o problema.

         A teoria da emoção-instinto de Freud e Adler influencia um estudo que leva à conclusão de que toda agressão é sempre resultado duma frustração anterior. Culpa-se a sociedade, criadora de todas as frustrações. É uma teoria basicamente psicológica.[1]

         Na teoria de Bandura e Walters a agressão é aprendida, assim como todo comportamento humano é aprendido com a vivência e as inter-relações. Sendo assim, entende-se o homem como produto do meio, influenciado pelo meio ambiente, levado ao comportamento criminoso pela cruel sociedade. Uma teoria mais sociológica para explicar a violência.[2]

         Nesta teoria sociológica, entende-se que o criminoso acaba por absorver o que se encontra à sua volta, imitando comportamentos, influenciado, principalmente, pela media.

         Estas teorias expõem apenas um aspecto causador da violência, seja ela relacionada a manifestações desportivas ou não. Desta forma, surgem as teorias multicausais, que enumeram diversas causas para o fenómeno da violência.

         As causas para a violência, em especial associada ao desporto, seriam um conjunto de factores como: socialização; condições político-económicas; factores genéticos; factores psicológicos.[3]

         A questão que surge é do porquê que essas manifestações se restringem ao futebol, não fazendo parte de toda e qualquer modalidade desportiva. Na verdade, esta afirmação seria falsa. É no futebol onde a violência se manifesta com mais frequência e mais intensidade, mas não é privativa deste.

         O basebol já viu cenas de violência, em 1954 em Gerogetown e em 1960 em Porto de Espanha. Em 1963 houve uma desordem numa pista de corrida de cavalos na área de Nova Iorque. Em 1955 foi a vez do hóquei sobre o gelo presenciar cenas de revolta e violência em Detroit.[4]

Os casos de violência em outras modalidades desportivas, porém, não são tão frequentes, sendo até mesmo raros, ao contrário do futebol, onde nos últimos anos esta vem se tornando cada vez mais usual. Eis que surge a ideia de que a natureza do desporto, por ser de contacto físico intenso, gerando, muitas vezes, lesões nos próprios contendores seria causadora de uma influência nos espectadores, a ponto de causar manifestações de violência por parte da torcida.

         No entanto esta razão não possui fundamento, uma vez que modalidades como o rugby, o boxe ou o futebol americano, que possuem mais contacto físico que o futebol e são muito mais violentos em sua natureza, não têm o histórico de manifestações violentas por parte dos torcedores como há no futebol.

         Então, esta violência não estaria ligada ao desporto, não seria intrínseca do futebol, nem mesmo inseparável deste. Outro deve ser o factor gerador da violência que se desencadeia nos estádios. “Esta violencia no es inherente al mundo del deporte en general, o del fútbol en particular, sino que, antes bien, el espectáculo le sierve de pretexto para manifestarse”.[5] Esta ideia também se encontra presente no Tratado nº 120 da União Europeia, que considera a violência como um “fenómeno social actual de grande envergadura cujas origens são essencialmente exteriores ao desporto, e que o desporto é frequentemente o palco de explosões de violência”.[6]

         Mesmo aceitando que a violência não é intrínseca ao futebol, deve-se entender neste tipo de manifestação a maior ameaça à segurança pública, exemplos são as tragédias de Heysel na Bélgica, Sheffield na Inglaterra, e mais recentemente o derby siciliano que levou à morte um policial.

         Mas, então, se esta violência não é inerente ao futebol, mas tão só manifestada dentro do recinto desportivo, como determinar sua causa a fim de prevenir seu resultado?

         Diversos autores, ao tentar explicar as origens desta violência, chegam a conclusões semelhantes. Seja em relação ao fanatismo que o futebol emana, tanto nos violentos como nos pacíficos, seja na dura realidade da vida urbana, que reprime o ser humano, causando-lhe angústias e frustrações que culminam numa vontade de rebelar-se.[7]

         O fenómeno da violência associada ao desporto é realmente algo que se acentua nos grandes centros urbanos, seja Londres, Lisboa ou São Paulo. A população marginalizada destes centros acaba por exprimir todos os seus instintos violentos através das manifestações desportivas.

         Em testemunho recente, um torcedor do Flamengo, clube do Rio de Janeiro, culpou a proibição dos “bailes funk” pelo aumento da violência nos estádios.[8] Este tipo de festa era conhecido pela violência, onde grupos rivais se encontravam para brigar. Com esta proibição a violência teve de escapar para algum outro lugar, e acabou indo para as arquibancadas do Maracanã.

         Realmente não tem nada a ver com o desporto. O futebol, tão apaixonante, acaba por ser apenas um elemento de toda a confusão. Mas, é inegável que é o futebol que atrai estes jovens aos estádios, e por vezes é o resultado de uma partida que desencadeia manifestações violentas, seja pela derrota ou por inconformismos com a decisão do árbitro.

         Em um caldeirão de emoções proporcionadas pelo espectáculo desportivo unem-se a revolta e a rivalidade, combinações que lançam os jovens em direcção à violência. Na maioria das vezes manifestada apenas por que o outro grupo ostenta o símbolo rival.

         No Brasil a violência é muito mais acentuada nos grandes centros urbanos, manifestando-se principalmente em derbys locais, os chamados clássicos. Esta rivalidade entre clubes da mesma cidade ordinariamente se manifesta em forma de confrontos físicos e perturbações da paz pública.

Para entender melhor a violência associada ao futebol é necessário separar os diversos tipos de espectadores e os diversos tipos de manifestações violentas. Os hooligans ingleses, os ultras italianos, as claques portuguesas, as torcidas organizadas brasileiras, todos provém de uma realidade específica, com diferentes causas e formas de violência.

 


[1] CLAEYS, U, Violência e “ fair play” no deporto: causas e medidas,  in Desporto e Sociedade, nº 21 ago/86, Lisboa: Ministério da Educação e Cultura, 1986. pág. 5.

[2] CLAEYS, U, Violência e “ fair play” no deporto: causas e medida, cit pág. 6..

[3] CLAEYS, U, Violência e “ fair play” no deporto: causas e medidas,  cit. Págs. 6-7.

[4] POPPLEWELL, Justice, A segurança das multidões e o controlo nos recintos desportivos. In: Desporto e Sociedade, nº 115 mar/89, Lisboa: Ministério da Educação e Cultura, 1989. pág. 110

[5] OLMEDA, Alberto Palomar, Cuestiones actuales del fútbol profesional, Madrid: Real Federación Española de Fútbol, 2000. pág. 468.

[6] Convenção Europeia sobre a Violência e os Distúrbios dos Espectadores por ocasião de Manifestações Desportivas e nomeadamente Jogos de Futebol.

[7]       “Talvez seja interessante reflectir sobre o facto de as desordens internas terem desaparecido completamente nos países mais desenvolvidos e organizados, enquanto os distúrbios do futebol persistem. Algumas das injustiças que se encontravam na origem do primeiro tipo de violência, tais como o perigo de fome, podem ter desaparecido em grande medida destas sociedades de abundância. Outras injustiças, não menos prementes, encontram agora a sua expressão nos distúrbios. A falta de pão, que foi mais ou menos remediada, é agora seguida pela ausência de sentido. A partir das áreas cinzentas de marginais que se formam à volta da maior parte das grandes cidades mais desenvolvidas, as pessoas, em especial os jovens, olham através das janelas para o mundo estabelecido. Podem ver que é possível uma vida com mais sentido e mais realizada que a sua própria vida.

Seja qual for o seu sentido intrínseco, isso possui um significado para eles e sabem, ou talvez apenas possam sentir, que estão privados disso para toda a vida. E embora por vezes acreditem que lhes foi feita uma grande injustiça, nem sempre é claro saber por quem foi cometida. Por esse motivo, a vingança e, com frequência, o seu grito de guerra. Um dia a gota de água transborda e eles procuram vingar-se sobre alguém”. (ELIAS, Norben, A busca da excitação, Difel, 1992, pag 93.)

[8]http://video.globo.com/Videos/Player/Esportes/0,,GIM646970-7824-OS+BASTIDORES+DAS+TORCIDAS+ORGANIZADAS,00.html